Entrevista com o presidente do Observatório Social de Piracicaba, Roberto Borges.

Entrevista com o presidente do Observatório Social de Piracicaba, Roberto Borges.

Publicado em 21/05/2018 - 12:00
Entrevista com o presidente do Observatório Social de Piracicaba, Roberto Borges.

O projeto MobCidades do Observatório Cidadão de Piracicaba entrevistou o presidente do Observatório Social de Piracicaba, Roberto Borges. Confira entrevista na íntegra abaixo:

1)  Como surge e o que faz o Observatório Social de Piracicaba?


Muita gente pergunta o porquê do nome do Observatório Social, mas isso é porque fazemos a gestão social das finanças públicas especificamente. Hoje, nossa atuação é mais centrada em fiscalizar as licitações da Câmara, da Prefeitura e do Semae. Queremos começar a fiscalizar outros órgãos na cidade, que gerem licitações. Há leis específicas que garantem nosso acesso a informações e até a suspender licitações, não só para instituições como para qualquer cidadão. Se você como cidadão entender que uma licitação está errada e quiser anulá-la, a lei garante. Temos 15 voluntários, sem vínculo-partidário. Para ser aceito como voluntário o seu título de eleitor é analisado em sites próprios para checar se não existe filiação à sigla partidária. Se tiver, o candidato não pode ser aceito. Temos estatuto, diretoria eleita para mandato de dois anos, presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro e conselho fiscal, que acompanha as nossas próprias ações. Procuramos voluntários multidisciplinares. Hoje, nosso grupo é formado por economistas, engenheiros, professores, padeiros. Só não temos médicos ainda. O que nos faz falta para fiscalizar licitações de medicamentos, serviços.

Temos que considerar que, perto de tudo o que temos visto, Piracicaba está relativamente bem. O povo, em si, não acredita, porque está machucado com a política.  Analisamos as licitações, verificamos as que estão redigidas ou montadas erroneamente, e se identificamos algo, notificamos a Prefeitura por meio de um ofício enviado ao departamento de contas do município. Dentro do OSP temos um departamento que se chama Educação Fiscal, que tem o objetivo de levar para escolas e empresas e outros grupos interessados a entender um pouco da relação “Estado e Cidadão”. Precisamos mudar a forma de reivindicar. São muitas vozes separadas, alheias, assim não vamos conseguir. Temos que uni-las e dizer o que queremos, não importa a qual movimento o cidadão pertença. Isso se faz quando lotamos as audiências públicas para sermos ouvidos. Enquanto houver meia-dúzia de pessoas, não vai ocorrer.

2) Após quase dois anos de atuação, como o OSP avalia a atuação do poder público na cidade?


O gestor público tem um grande papel. Quando se senta na cadeira para assumir seu cargo, pensa que é o dono do mundo, mas não é. As audiências públicas são grandes oportunidades para a população participar, questionar e pedir melhorias. O ponto é que, na maioria dos casos, não se ouve o cidadão. O grande mal da gestão pública é virar as costas para a sociedade e os representantes estão lá para atendê-la, nada mais do que isso. É para quem anda a pé e precisa de ônibus que a cidade precisa melhorar.

3) O que o povo precisa fazer para ser ouvido?


O povo não é educado para isso. Às vezes, a pessoa vai reivindicar algo para a sociedade, mas não sabe como, faz a distinção entre “eles” e “nós”. Mas não existe essa separação, somos todos “nós”. Muitas vezes, durante uma audiência pública, há poucas pessoas, faz até eco no auditório. Só o fato de se ter um auditório cheio, já é uma forma de pressionar o poder público. Sobre os problemas de licitação aqui em Piracicaba, podemos dizer que o que há é falta de fiscalização e um recebedor final do serviço ou do material rigoroso, é ele que vai dizer que está tudo de acordo. Essa é a chave do negócio.

4) Como o senhor avalia os gastos públicos em Piracicaba? Que pontos destaca?


A folha de pagamento representa um gasto muito alto. Um funcionário público é muito mais bem pago que na iniciativa privada. Existem setores na Prefeitura com falta de gente e outros com inchaço de servidores. Isso é falta de gestão. Um item que ressalto e que não concordo, em absoluto, é que se tire dinheiro do orçamento municipal para cobrir rombo do Instituto de Previdência e Assistência Social dos Funcionários Municipais de Piracicaba (Ipasp). Eu não sou contra os aposentados, inclusive sou um. Em 2017, o Executivo cedeu R$ 50 milhões de reais para pagar os aposentados. A previsão é que suba para R$ 70 milhões neste ano, e para R$ 100 milhões em 2019. E tem outras coisas. Piracicaba está entre as cidades com o maior PIB (Produto Interno Bruto) Brasil e proporcionalmente, o orçamento é menor. A questão é que a cidade arrecada mal e precisa se organizar melhor, isso também é um caso de gestão.Parte superior do formulário

5) O observatório Social acompanhou os gastos públicos da construção dos novos corredores de ônibus, bem como da revitalização da Avenida Renato Wagner?

Não. Não acompanhamos como gostaríamos, pelo menos. Como já falei, nossa maior dificuldade é falta de mão-de-obra. É muito difícil, com uma equipe tão reduzida, temos acompanhar uma licitação desse porte. Fiscalizar gestão pública não é algo simples. Nossas análises apontaram que a maioria dessas obras de corredores, abrigos e terminais de ônibus - que foram reformados, foi feita com financiamento que a cidade obteve da Caixa Econômica Federal, em cerca de R$ 58 milhões. Acompanhamos algumas licitações como a da reforma do Terminal Vila Sônia. Verificamos se o edital estava correto, se havia fonte de recursos, com especificação da conta de onde a reserva saía, olhamos o memorial descritivo, fizemos críticas a respeito de detalhamento de obra, demonstração das obras.

6) Um dos principais gastos da Prefeitura para urbanismo e ações de mobilidade são obras de asfaltamento e recapeamento. O OSP já acompanhou alguma delas? Se sim, houve irregularidades?


Acompanhamos obras de asfaltamento, que é o que dá mais problemas, dificilmente tem alguma que não dá, ou está mal feito. O fato é que não há fiscalização das obras. Digamos que o fiscal passe, pela manhã, o trabalhador está limpando a rua, no início da remoção do asfalto velho, quando ele retorna, no final do dia, só consegue ver a nova pavimentação, já pronta, não há como checar se todas as normas foram seguidas, quanto à qualidade do serviço. Existem, por exemplo, algumas regras para colocação das camadas do asfalto. É por isso que o asfalto dura poucos meses. Até pensamos em fazer nós mesmos a fiscalização, mas aí esbarramos na mesma questão de falta de mão-de-obra para realizar esse trabalho. Precisamos de equipamentos e de gente capacitada, conhecedora das leis.

Em poucas licitações conseguimos ir do início ao fim, como é de fato a nossa intenção. Para isso, precisamos de gente. Há por volta de 25 licitações novas toda semana, entre Semae, Câmara e Prefeitura. Como se escolhe uma licitação ou não? Nesse caso, considera-se o valor da obra, o impacto social e os temas que corriqueiramente vão dar problema.  Ou então, a empresa não vai até o final da obra, ou muda a empresa, cancela o contrato, são aqueles temas que já sabemos, asfalto, lixo, obras de grande porte, muitas vezes a escolha é feita usando critérios de certa forma errados, nem sempre se tem que dar ganho a uma licitação pelo menor preço, às vezes é melhor pelo melhor técnico.

Como justificar para uma cidade que se contratou a empresa “B” por R$ 20 mil se a “A” faz por R$ 15 mil. Daí a importância do edital. Tudo o que se coloca no documento, tem que ser respeitado. Se nele está claro que a seleção da empresa vencedora vai ser pelo menor preço, tem que ser assim. Se será pela melhor técnica. Quem vai montar o edital é que determina, via constituição, se guia pela lei da licitação. Por isso, o texto deve passar por todos os departamentos da Prefeitura, antes do edital sair no jornal. Mesmo assim, encontramos enganos, erros, equívocos. Não é uma coisa fácil.

7) O número de passageiros do público de Piracicaba diminuiu 16% em seis anos. A Semuttran atribuiu essa queda à crise econômica. A redução de usuários também acarretou o corte de algumas linhas, de acordo com a Pasta. Perguntamos: Os motivos da baixa de passageiros se relacionam à qualidade do serviço?


Essa é uma grande questão. Se o passageiro deixa de usar o transporte público é devido à qualidade do serviço oferecido. Os horários são complicados, aos fins de semana, os itinerários diminuem mais ainda. Se pararmos para pensar na quantidade de motociclistas, para não falar de carros - que são mais caros - número de motos circulando na cidade é muito alto por ser mais rápido e barato. Defendo que a negociação entre a empresa de ônibus e a Prefeitura deveria mudar.

 

8) O que o senhor sugere?

Imagino que seria de outra maneira que não por tíquetes. Claro que se há um ônibus que roda com dois tíquetes, a administração vai tirá-lo. Creio que a negociação deveria ser pelo número de viagens. Nunca se sabe quando o cidadão vai precisar do coletivo. A hora que os ônibus tiverem um bom sistema de wifi, ar-condicionado, com pontualidade, a exemplo de alguns países, é claro que as pessoas vão usar o transporte público.

 

9) Sobre os reajustes das tarifas de água, a situação já causou bastante revolta na população, as contas chegaram aos moradores com valores exorbitantes em 2016 e 2017. O Observatório Social acompanha as licitações do Semae?


A visão da população é simplista, como se a água fosse de graça. Realmente ela é, mas não é mais potável. É preciso trazê-la do rio até o conforto da torneira das casas, isso tem um preço, é lógico. O serviço pode melhorar? Claro que sim, tudo pode melhorar. Muitas instituições, como a Câmara, clubes e igrejas, por exemplo, não pagam pela água. É a população que precisa pressionar o gestor público que não quer mais financiar o consumo desses órgãos, que juntos, devem totalizar R$ 25 milhões por ano. Piracicaba tem um alto desperdício de água, devido a vazamentos, em torno de 50%, entre outros problemas, que precisam ser resolvidos. Parece que alguns gestores preferem não botar o dedo na ferida e preferem levar com a barriga.

10) Que outros?

Essa sobre os vazamentos, agora, parece que já há empresas contratadas para tratar dessas questões. Mas são obras de longo prazo. Por outro lado, também precisamos fazer uma autocrítica, como estamos usando a nossa água? Não podemos mais desperdiçar.

11) Tem algum outro caso envolvendo o Semae que o senhor gostaria de apontar?


Não.

12) O Observatório Social acompanhou as licitações do Hospital Regional, previsto para ser entregue em 2012, e que foi recém-inaugurado em março de 2018, após uma série de atrasos?


Sim, acompanhamos oficialmente as licitações para compras de cabos específicos. Esses atrasos ocorreram, em sua maioria, devido à necessidade de receber verbas de fora do município, como recursos do Estado, por exemplo. Sobre o Hospital Regional, um dos casos foi exatamente esse. Claro que o gestor pode acelerar a resolução de algumas licitações. Inclusive, o Observatório Social sugeriu mudanças no edital sobre a previsão de repasses do Estado. Sobre a principal justificativa para o atraso no início do funcionamento do hospital, envolvendo a instalação do sistema de ar-condicionado, também analisamos o edital. Outra saída, em situações como essas, seria fazer o seguro da licitação, do custo e prazo da obra. Esse é um grande passo.

13) O que o senhor espera do poder público de Piracicaba?

Eu posso dizer que sou um camarada otimista. Mas penso que esse ainda será um ano financeiramente difícil. Não há muito para investir. O gestor público, que quer garantir a próxima eleição, não gosta de tomar medidas que não agradam a população. Eu tenho confiança, mas tem um fator que precisa mudar, é o comportamento da sociedade civil, que precisa acordar. Se não arregaçarmos as mangas, isso não vai acontecer.

 

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